«Faltou gasolina, leite e açúcar, tirou-se o subsídio de Natal, congelaram-se salários, não se podia levantar dinheiro, as importações ficaram limitadas. O FMI já esteve em Portugal duas vezes - em 1977 e em 1983 - e há toda uma geração que se lembra do que representa um pedido de ajuda externa na prática.
Idalina Lopes, de 65 anos, recorda-se que, da primeira vez, «não havia gasolina». «Nuns dias iam abastecer os carros com matrícula ímpar, noutros abasteciam os carros com matrícula par», contou ao tvi24.pt.
Já da segunda vez, e como tinha comprado casa na altura, foi mais difícil. «Tive de pedir dinheiro emprestado para comprar os móveis». As idas às compras também mudaram, uma vez que cortaram nas importações: «O açúcar acabou. Tive de emprestar a uma amiga da padaria durante muito tempo.»
Trabalhando na área da contabilidade, Idalina não viu o seu salário cortado, mas nota que «não se podia levantar dinheiro». «Não havia tanto poder de compra nem se ganhava muito, por isso não sentimos assim tanto», acrescentou.
Desta vez, antevê mais problemas: «As pessoas habituaram-se aos luxos e a ter férias sempre. Agora gastam e não poupam, enquanto nós na década de 80 tínhamos sempre um pé-de-meia.»
António Mão de Ferro, 64 anos, tem uma visão mais optimista da entrada do FMI em Portugal. «Se for como em 1983 não será nenhum drama. Espero que seja uma situação passageira, em que será necessária uma contenção nas despesas, mas não me parece que seja o fim do mundo».
Na altura, era técnico superior do Instituto do Emprego e Formação Profissional, estava casado, com dois filhos. «Fiquei sem subsídio de Natal, algo como os 100 euros actuais, mas não foi nenhum papão».
Tendo uma «gestão mais rigorosa do dinheiro», António constata que «as pessoas não estavam tão endividadas como agora» e que, por isso, «não houve grandes carências».
Mário Melo, 60 anos, já era professor quando o FMI chegou. «Cortaram-me um terço do subsídio de Natal e o resto foi transformado em certificados de aforro que ficaram cativos durante três meses, mas isto só para os escalões mais altos».
Lembra-se que um colega quis comprar um carro na altura, mas, como as importações estavam limitadas, teve de esperar meses pelo seu Honda. Mário sublinha ainda que houve falta de leite e que os salários e as progressões nas carreiras foram congelados.
João Raposo, médico, também perdeu o subsídio de Natal e esteve quatro anos sem qualquer aumento no salário. «Já era casado, éramos os dois médicos, e tive de esperar mais dois ou três anos para comprar casa e carro».
Em 1983, reduziu os gastos às «contas básicas». «Não foi o fim do mundo, mas incomodava muito». E prevê pior agora: «Palpita-me que vamos penar um bocadinho mais.»
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Extraído de:http://www.tvi24.iol.pt/sociedade/fmi-ajuda-externa-crise-tvi24/1244970-4071.html